sexta-feira, 4 de novembro de 2011

das coisas esquecidas pela casa

o amor que deixaste
dormindo
sobre a cômoda
entre as contas
te escapou numa tarde
de chuva
pelo bico da chaleira.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

das manhãs de porcelana trincada (quando pousam no nosso armário)

o café
caindo na xícara
recobre o branco
de negro.
escureço
onde teu líquido
não alcança o meu fundo
- e salienta
minhas ranhuras.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

primavera...

Farfalhando no meu ouvido
tuas palavras macias de folha de girassol.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Na vez terceira em que caiu
A dor foi tão intensa
que finalmente percebeu:
Não havia levantado do chão
desde a primeira.
Por que tão cru?
Por que tão cruel?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Quando os homens apareceram
Era tarde, e eu não sabia.
O dia deitava em véspera
E a espera já não mais existia.
Como dizer a eles que uma mão
Já havia pousado sobre meu rosto,
Dedos que desenharam máscara de fogo?
Pena de pássaro se perdeu num sopro.
Os homens de frente, de costas,
Tomaram posições disformes.
Esperavam sem face pelo meu perdão
Mas meu perdão já havia sido decepado
Por dentes de tigres de nuvem
Muito antes de eles chegarem aqui.
Eu não sabia, eu estava cega para eles...
Não havia corpo penetrável,
Nem palavra de aluguel;
Havia apenas um grande mal entendido
Habitando meu peito.
Pela insistência e por desacato,
Já desistida de história e de bruma,
Dei a eles meus olhos de pedra.
Com mãos de lã de ovelha
Acarinharam as imagens perdidas;
Depois sentaram-se sobre minhas coxas
E comeram o que havia restado
Dos meus sonhos de prata.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

e mesmo sem sentir teu gosto,
sigo sentindo tuas mãos (firmes)
segurando as imagens no fundo dos meus olhos.

domingo, 24 de julho de 2011

Tar

Deitada no corpo giratório das palavras,
Com minhas mãos, quis parar a roda
De todo o mal que se deposita entre suspiros.
Pretendi encontrar o lugar
Onde o todo se realiza e há paz
- Há paz? -
Mas só encontrei morte nas tuas mãos
Em torno do meu pescoço.
Talvez a vida só desvele algum regalo
Quando os olhos de neon se fecham
E reina esse silêncio de reflexo apagado
No vidro da espera.

(A Tar es imposible llegar...)

domingo, 17 de julho de 2011

Era como debulhar o milho que as palavras escapavam - uma a uma, perdendo seu sentido de cadeia, perdendo sua união. Viravam pingos soltos e comestíveis, mas descontectados de uma espinha dorsal. Sentou em um banco grosseiro de madeira e observou as palavras debulhadas pelo chão: o amarelo ressecava a cada instante, e o que antes formava um sol coeso, perdia a convicção da iluminação do dia. Sabia que, antes, com a unidade, o milho se fazia manhã de sol, aro de fogo sobre a cabeça, sobre o corpo, uma liga reta de um branco leitoso que servia ao abraço das pequenas peças de ouro. Mas agora, tudo espedaçado, descobriu que os cabelos só serviam para fazer vento de si. Sem nenhuma idéia que a guiasse, permaneceu sentada no banco, mãos apoiadas no queixo, olhar de vidro fosco, tufo de esperança entre os dedos - todas as palavras suspensas em um suspiro pairavam feito aves negras contra o céu duro e esbranquiçado de um dia irreal e quente de verão.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Mergulhei no bico do pássaro;
Não sobrou pouso pra minha pena.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Tua noite, essa noite (dança de espelhos)

Se olhou no espelho como se
desconhecesse
o mundo de dentro.
Mergulhou em uma maquiagem vazia
Fez três marcas pelo corpo
- quem as encontraria?
Não habitava mais as planícies de si.
Se tocou com mãos de um outro
ou de uma outra, ou de uma coisa.
As pálpebras pesadas, torpor do encontro
Impossível
consigo mesma.
Mergulhou os dedos em ânsia,
entrega perdida, os olhos vagavam
Pela boca borrada, beijos soltos
Mordidas de vidro
Aquele olho lívido, ávido, crescendo fome
Numa luz de medo e sombras líquidas.
No êxtase de se perceber
Inimaginável,
Terrificante,
Dominadora,
hipnotizou um canto do reflexo com a língua
e com os mesmos dedos de si
Dedilhou o espelho com a força
de três existências comprimidas entre as pernas.

domingo, 3 de julho de 2011

desconstruimaginascer

o som incognoscível martelava o peito
como os dedos que martelam um teclado infantil
- tufos de cores, inocente descoberta.
mas o martelo cresce em metal ártico
e passa a doer no fundo dos olhos
criando imagens distorcidas despalavras
destecidas em fios de arame
(às vezes seda de frio, às vezes cobre que arde).
o som ritmado era piscar de olhos
asa de borboleta de ferro
impotentes pálpebras descontrole
desviantes imagens se depositando
lá onde tudo que toca escorre e some
- vestidos macios de mulheres, lenços de pescoço
se foi tudo para dentro do poço.
a saliva pelo canto da boca,
o êxtase de aquarelas quebradas pelo chão.

(deitou calmamente os dentes pelo piso e, sem se mover, começou a despencar)

quinta-feira, 30 de junho de 2011

cartografia

Tal qual um continente de estrelas, deitei minhas mãos no exercício modulado de mapear todos os aspectos apreensíveis de uma terra sem estradas. Tendo dedos suficientes para me perder em campos de olho infinito, me pergunto se cansa ou se o cansaço é o negar da desacomodação necessária para que o que se espera do possível possa se dar. Cada estrela que se desvela entre o palpitar dos dedos inquietos se perde indefinidamente: é esse o céu que nos protege de nós mesmos. Ainda assim, te vejo continente, e me pergunto como me guiar por labirintos orgânicos que me devoram a lucidez apenas para, manhãs de sol, me devolvê-la mais enraizada.

Continente bravio de estrelas,
Bati três dedos na madeira da Pergunta:
como equilibrar dois corpos
em um fio de seda?
como equilibrar a dúvida
no estômago?
como equilibrar teu olhar
no horizonte aberto?

domingo, 26 de junho de 2011

Dos olhos dele
escorreram fantasias sólidas,
viscosas conforme se afastavam da face,
líquidas ao tocarem o chão.
Evaporaram, por fim, como fantasmas de panos rasgados
que voltaram a se depositar naqueles mesmos olhos,
agora mais Cinzas do que nunca.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Surpresas

A vida sempre continua
onde a gente nem lembra
que deixou ela.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Torci meus últimos cigarros, fraturei os copos de vidro contra o chão.
As garrafas, intocadas, permanecem no mesmo terreno dos amigos que não busco.

Nesses dias de olhos sem reflexo,
os livros e a incerteza do frio
a música e a certeza da falta
Me bastam.

sábado, 14 de maio de 2011

Não se sabe o quanto os sorrisos amaciam os dentes. Os ossos luzidios, brancos, densos, podem cortar a carne dos lábios, podem cortar a carne do corpo, mastigar o coração com a calma violenta que cabe àqueles que se sabem em vantagem brutal. Mas os sorrisos, rasgos simples de canto de boca, essa abertura desordenada - o sorriso, ele expõe.

Ninguém suspeitaria de mãos tão frágeis. Unhas polidas, sem esmalte, sem cheiro. Dedos longos. Incrível como Metacarpo e Falange passaram a me soar ridiculamente poéticos.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A estética do frio interno

No corpo, é ligeiro como passam
os dedos, a cavalo, troteando
o frio batendo nas unhas roxas
e se perdendo para sempre
entre as coxas

Tem um quê de tristeza
tudo que não se demora
o tempo necessário do desabrocho
Tal qual um girassol na janela
meio morto

Queria era ter língua de serpente
(ou olho de fogo)
pra roubar no galope dos lábios
a mão que se ausenta no vento frio
deixando a terra úmida exposta
no infértil sombrio

sábado, 7 de maio de 2011

Os sonhos, hoje,
não são diferentes do que eram
na noite em que eu te conheci:

impossíveis.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

As coisas que vazam

Vazou. um sentimento de saudade (do) que não veio. Como uma rachadura perfeita, o líquido transbordado escorregou como se fosse uma cócega pela pia cheia. Cheia demais, não cabia nada, nem o patinho de borracha para que as coisas ao menos fossem devidamente ridículas. O arrastar do líquido produziu uma risada triste. É isso, de novo? Só mais uma risada triste? Talvez devesse desistir de ser exploradora do mundo, caçadora das coisas raras. Talvez devesse apenas abrir infinitos potes idênticos e guardar neles as cores deveras sem graça das quais costuma se alimentar. (sempre há o recurso de colocá-las ao sol, para que brilhem um pouco e se pareçam com aquilo que ela nunca, jamais encontrou). Talvez seja isso. Beber uma boa xícara de café e viver de amor com os cigarros e os livros e os cheiros do centro da cidade. Vazar os sentimentos, deixá-los escorrer por entre as pernas para que as pernas andem um pouco mais. Mas também vazar esses olhos que endurecem, secos, para que possam escorrer algum sorriso fértil enquanto cruzam com os dela.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A insônia é uma Rainha Tirana.
Comeu meus sonhos
E pariu essa lucidez aquosa
Que hoje habita o dia dos meus olhos.

domingo, 10 de abril de 2011

Onde a cabeça pesa

Sem saber meu destino, deitei a cabeça frente à lâmina. Com dois lados de corte e um reflexo de sol cru, ela me sussurra macia o mundo à sua volta: dois meninos que brincam com as minhas vísceras, três ou quatro poças de sangue coagulado marrom e muitos olhos que se deitam no espetáculo da morte. Quem dera os olhos me olhassem a mim - assim eu me saberia, mas os olhos refletidos são apenas o prenúncio de um êxtase transcendental, uma espécie de visco que escorre da liquidez da massa branco-amarelada das janelas duplas e gruda, sem deslize ou tato, no ingênuo fio de corte. O instrumento foi feito para facilitar a vida do homem, me confessa um dos meninos. Alienando-me da minha sorte, ou conformada com o mundo desses homens de mais conquistas do que veias, me entrego ao teatro da morte. Último desejo? Que minha cabeça ao menos sirva ao gozo incompreendido desses pobres coitados.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A chuva que cai no olho é uma lágrima ao contrário.
Bom é poder chorar assim, sem culpa.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Invocação para um dia líquido

O despir-se envolve movimentos delicados vividos de um modo intenso. Normalmente, precisaria da ajuda de um próximo para sair de sua justa cápsula de couro, mas havia medo, havia cheiro, havia expectativa. A ânsia contorcia as extremidades contidas no invólucro - latejavam pela expectativa do prazer. Através de pequenas frestas, sentia o cheiro inconfundível, o cheiro aquoso do que o esperava do lado de fora. O cheiro era beijado de flores e capim limão, mas era ocre de um modo tão doce, que a sensação era quase de abandono. Cheiro, hipnose, desejo. Pulsava tanto que mal reunia forças para o desejado encontro, para o encontro definitivo. Ali pelo terceiro arrepio, decidiu que sua única chance era no agora - a vida deveria ser consumada no instante do pulso para merecer honra, mas sei lá o que queria com honra, honra não fala de desejo. Sair do invólucro com um certo desespero atrapalhado, ânsia dos amantes, criou no ar movimentos de uma sensualidade descabida, tão absurda e ao mesmo tempo tão irresistível como a luz dos abajures nas noites jasmim de verão. Extasiado pelo odor, agora tão próximo, tão real, tão apavorante e sedutor quanto um abismo, guardou o último instante anterior à entrega como a suspensão de um vôo sem asas, o pairar antes da queda delirante. Delírio, porque não havia palavra mais justa que pudesse descrever esse momento, delírio, pois já não se sabia em si, não sabia mais para onde estava se direcionando ou porque havia se despido, era apenas um momento de entrega tão absoluta que o seu ser estava anulado, sua alma suspensa, e se não fosse a simples inércia do corpo já em movimento, talvez tudo isso estivesse perdido. Quando enfim se rendeu ao toque, o macio do ato mordeu o desabar do desejo. Grudados, o pé e a terra transaram até a chuva passar.