quinta-feira, 8 de abril de 2010

o despertar I

foi como um susto. acordei e olhei para os lados sem mexer a cabeça, e muito devagar reconheci algo familiar nas paredes azuis com tom amarelo ouro do por-do-sol. engasguei com a falta de ar, parecia a primeira vez que eu respirava. era um recém-nascido, experimentando pela primeira vez as novas velhas sensações, essas que todo mundo conhece, e que, ao mesmo tempo, são tão singulares. o medo, se é que podemos chamar assim - talvez o melhor termo seja surpresa - contraiu meus vasos sangüíneos tão rapidamente que nem houve tempo para que o fluxo de sangue diminuísse um pouco. o coração bombeou com a mesma força, e eu realmente acredito que senti dor quando o sangue deu a primeira volta por todo o meu pequeno corpo - senti um dilúvio se forçar com urgência por uma passagem estreita de pedras, resultando em um fluxo tão violento que chegou a ferir essas pedras. dessa experiência me restaram cicatrizes por dentro das veias. (lado oposto do que se esperava em outros momentos).

respirei. o ar deu algumas voltas engraçadas pelo interior ciliado das minhas narinas. nunca antes havia reparado que o ar tinha seus próprios movimentos. assim como eu tenho os meus. eu estava viva, então. consciente, quente. o tempo lá fora parecia ceder forças e características para a minha existência - quente, desperto, luminoso. pensei então que os raios de sol poderiam funcionar como o fio das moiras, algo que nos dá vida, destino - e morte. esse foi o primeiro pensamento do meu novo dia desperta. talvez o primeiro pensamento do resto da minha vida.

com muito esforço balancei meu pé esquerdo. a luz avermelhada que entrava pela janela me dizia que agora não teria mais volta. eu havia, finalmente, acordado. e a partir de agora, os sonhos viscosos desapareceriam como nuvens. e as nuvens de verdade se concretizariam aos poucos, de acordo com a minha lucidez. somos agora só eu e o céu que me abraça, com toda sua proteção e desolação - algo do fantástico mundo da realidade deixou de ser poeira em mim.