sexta-feira, 29 de abril de 2011

As coisas que vazam

Vazou. um sentimento de saudade (do) que não veio. Como uma rachadura perfeita, o líquido transbordado escorregou como se fosse uma cócega pela pia cheia. Cheia demais, não cabia nada, nem o patinho de borracha para que as coisas ao menos fossem devidamente ridículas. O arrastar do líquido produziu uma risada triste. É isso, de novo? Só mais uma risada triste? Talvez devesse desistir de ser exploradora do mundo, caçadora das coisas raras. Talvez devesse apenas abrir infinitos potes idênticos e guardar neles as cores deveras sem graça das quais costuma se alimentar. (sempre há o recurso de colocá-las ao sol, para que brilhem um pouco e se pareçam com aquilo que ela nunca, jamais encontrou). Talvez seja isso. Beber uma boa xícara de café e viver de amor com os cigarros e os livros e os cheiros do centro da cidade. Vazar os sentimentos, deixá-los escorrer por entre as pernas para que as pernas andem um pouco mais. Mas também vazar esses olhos que endurecem, secos, para que possam escorrer algum sorriso fértil enquanto cruzam com os dela.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A insônia é uma Rainha Tirana.
Comeu meus sonhos
E pariu essa lucidez aquosa
Que hoje habita o dia dos meus olhos.

domingo, 10 de abril de 2011

Onde a cabeça pesa

Sem saber meu destino, deitei a cabeça frente à lâmina. Com dois lados de corte e um reflexo de sol cru, ela me sussurra macia o mundo à sua volta: dois meninos que brincam com as minhas vísceras, três ou quatro poças de sangue coagulado marrom e muitos olhos que se deitam no espetáculo da morte. Quem dera os olhos me olhassem a mim - assim eu me saberia, mas os olhos refletidos são apenas o prenúncio de um êxtase transcendental, uma espécie de visco que escorre da liquidez da massa branco-amarelada das janelas duplas e gruda, sem deslize ou tato, no ingênuo fio de corte. O instrumento foi feito para facilitar a vida do homem, me confessa um dos meninos. Alienando-me da minha sorte, ou conformada com o mundo desses homens de mais conquistas do que veias, me entrego ao teatro da morte. Último desejo? Que minha cabeça ao menos sirva ao gozo incompreendido desses pobres coitados.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A chuva que cai no olho é uma lágrima ao contrário.
Bom é poder chorar assim, sem culpa.