sábado, 24 de maio de 2008

boneca de pano

procurando no quintal
aquela coisa feia que eu atirei fora e nem queira,
o brinquedo velho
que hoje me faz tanta falta.

translucidez

o frio cortando o rosto,
cortando o resto de conhaque
no copo transparente.
minha translucidez me fere,
golpeia o copo e o peito,
e me desfaço em cacos de vidro
e caleidoscópios no chão.
fragilidade da pele
em contato com o vento áspero
que me atravessa mas
não me leva a lugar algum.
paralítica. estanque.
dura, muda, dócil.
permissiva.
translucidez que não me permite
o sono justo.
além do nítido, dentro do meu copo
enxergo o muro por contornos
como eu mesma escolhi
me sabendo então passiva
e cega.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

novas experiências

Eu ando num exercício de ouvir essa minha casca, não ver ela só como uma ferramenta, mas como um meio de expressão, criador de desejos, de demandas. o corpo como um meio produtivo em si, e não só um instrumento subordinado a mente. o que esse corpo fala, que não fala a mente? e por que separar corpo de mente, rejeitando o corpo? sem corpo não há subjetividade; o corpo é subjetividade, é algo próprio, tem suas reações que muitas vezes se adiantam ao pensamento. ouvir o que meu corpo pede, o que ele deseja, como ele reclama. pausar o automatismo racionalista que só preza a via mente-corpo, que vê o corpo como um serviçal do pensamento. proponho descontruir essas relações: o corpo está vivo! o corpo produz! o corpo clama, ouça o corpo! ouça o desejo dos seus dedos, as demandas dos seus pés: correr, pular, escorregar? ouça o ranger dos seus ossos cansados, sinta a necessidade de tocar diferentes superfícies: e veja isso tudo como um desejo a ser realizado, um desejo pulsante, que se dá na superfície de contato e que se produz num encontro entre mãos, entre vibrações, entre arrepios. permita ao corpo desejar livremente, sem o domínio da mente. permita ao corpo produzir, sem necessidade de racionalização de significados. permita o corpo: seja!

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Atravessamentos

O amor que nunca sobra;
Sempre resta.
O amor que atravessando,
Nos atravessa
E que atravessando, atravesso.

O amor sem frente
Nem verso;
Massa fluida disforme
Orvalho que escorre
E une a minha mão ao leito do rio.

Me arrasto atravessado,
Deixando contornos em pedras.
Rolando pedras, rolo verso.
E todo o amor que não me cabe,
Atravesso.

terça-feira, 6 de maio de 2008

ossificado

mordo o osso do ócio
mas é o ócio que cria
osso
armadura
estuque
estátua
estagnação.

o osso é criativo,
mas o ócio não.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

ambulante

me rendo ao movimento caótico
do meu epicentro;
minha espinha dorsal é bailarina.

me rendo aos ventos que me sopram longe;
abandonei minha nau à sua sorte,
e hoje navego todos os oceanos.

me rendo à busca sem fim,
pulo telhados e não durmo mais de uma noite
na mesma praça.

me rendo a tudo que me falta e me contorna;
e faço desse bolso furado a coragem
e as pernas para correr o mundo.

vendo as pedras que sonham sozinhas no mesmo lugar.

"Eu perdi o meu medo
o meu medo
o meu medo da chuva,
pois a chuva voltando pra terra
traz coisas do ar.

Aprendi o segredo
o segredo,
o segredo da vida
vendo as pedras que choram sozinhas
no mesmo lugar"

Raulzim

Olha meu copo!

Olha meu copo!
Olha! Olha fundo e dentro
porque tudo, tudo se respinga
se contorna, se contorce
e acerta em cheio.

Olha meu copo!
Equilibrando no estômago um mar bravio
abraçando o intangível,
o improvável,
a liquidez.

Olha meu copo!
olha meus olhos dentro do copo
e esse sorriso bobo
turvo, seco e molhado
como o vinho.

Olha meu copo!
E todas as gotas que fazem natação
que escorrem em redemoinho
que se chacoalham na minha mão
e terminam sempre no chão.

Olha meu copo!
Me adivinha lá dentro
por trás do gosto amargo,
do olhar quebrado,
do contratempo.

Olha meu copo!
E te encontra sereno ao fundo
furado
escorrendo pela ausência
de matéria plástica.

Olha meu copo!
E tenta sentir a torrente
de tudo que transborda
morno
quando me entorno dentro dele.