sábado, 24 de maio de 2008

translucidez

o frio cortando o rosto,
cortando o resto de conhaque
no copo transparente.
minha translucidez me fere,
golpeia o copo e o peito,
e me desfaço em cacos de vidro
e caleidoscópios no chão.
fragilidade da pele
em contato com o vento áspero
que me atravessa mas
não me leva a lugar algum.
paralítica. estanque.
dura, muda, dócil.
permissiva.
translucidez que não me permite
o sono justo.
além do nítido, dentro do meu copo
enxergo o muro por contornos
como eu mesma escolhi
me sabendo então passiva
e cega.

Um comentário:

Pedro Lunaris disse...

"enxergo o muro por contornos
como eu mesma escolhi"

e não é mesmo assim?
muro que a gente mesmo escolhe
e depois só reconhece pelos contornos...

ou será que a escolha
é só enxergá-lo assim?

tu é forte de sincera
forte na fraqueza
na fragilidade.
pra mim, a maior força
foi sempre uma sinceridade
uma possibilidade de transparência.
por que é que dói, então?
ou antes
por que é que prende?

tendo a dizer que os cacos pouco importam
tendo a acreditar nas batidas de cara,
na disponibilidade por se fazer em cacos
e a grande satisfação
(sempre a posteriori)
de encontrar
o que há
por debaixo do vidro
entre os cacos
o que sobra da gente
quando quebramos
quando viramos a esquina
quando um muro se faz transparente
e depois volta a ser de pedra
e debaixo
o que sobra?

a gente é o que sempre escapa.
é a dor da presilha e do muro que tantas vezes a gente sente.
a gente escapa
e não se pega
nem na corrida
mas fazer o quê?

acho bom correr
pra sentir o vento

mas outras vezes
ficamos parados
e basta ou não.

é sempre um mistério
essas voltas e mais voltas
de nossa pele...