segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ensaios sobre a liberdade

Nós nos abandonamos à miséria da nossa existência. Nosso único problema é saber que a única coisa que queremos é a liberdade, e que ainda assim, ela é o que mais tememos. Somos uns covardes extremamente conscientes.

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Só poderemos superar a dor da existência superando o medo da morte. Nos desapegando da existência no exercício radical de consciência de finitude e insignificância, poderemos viver de verdade, plenos. A ausência de sentido continuará, mas agora seremos toda essa falta de sentido. Viveremos a única realidade humana, sem medo, só entrega.

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Pode-se fazer qualquer coisa que surja e cada experiência encerra seu valor em si mesma. Tudo vale a pena, pois não buscamos um encadeamento lógico entre ações ou um fim com tais atitudes. A vida se torna uma aventura em si mesma, sem pretensões, e nos tornamos apenas personagens da existência. O foco sai de nós e, ao mesmo tempo, ele nunca esteve tão forte sobre nós.

A vida deixa de ser a busca por um sentido e passa a ser o exercício da falta de sentido.

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Eu quero vomitar o verme da minha existência,
Me despir do que me forra...
Eu quero é a liberdade de mim.

o céu é o limite.

Nas pretensões de um dia ou outro de sonhos azulados, me encontrei entre botões abertos de linhas inconciliáveis: onde pude pensar que esse céu se abriria assim, tão doce, para mim? Nunca tentei olhá-lo com cuidado, nunca o namorei; como assim, queria eu, uma resposta cósmica aos meus anseios, um sinal brilhante de indicação, um presságio soprado no ouvido? Um dia decidi deixar de alcançar o céu: decidi sê-lo, em toda sua infinitude, em todo seu abandono. Porque o céu não pode ser o limite: o céu é a ausência de limites, é o todo e o nada, é o impossível da existência. Senti o cheiro das nuvens e decidi que eu seria céu, para deixar de ser eu, ou de ser pretensões. Eu sinto medo do céu, mas acredito que tenha mais medo de mim - e é um segredo de flores, esse que agora eu te conto, mas o único jeito de vencer o medo é dançando com ele. Quero arrastar meus-teus pés pela sala azul, e ofuscar minha visão nessas luzinhas piscantes que estão definhando de desespero brilhado, longe de nós. Não quero alcançar as estrelas, não quero dormir numa nuvem, não quero ir morar na lua: eu quero não ser sendo céu. É uma receita de remédio para as dores não vividas: cultive as dores. Abra seu peito de modo a nunca mais se reconhecer em algum espelho e deixe que a dor inunde todos os sentimentos que se conhece. Só vai sobrar um abandono desesperador. Então, uma vez abandonados, com o corpo sem sentido, com o rosto sem imagem, um novo eu desponta: o não-eu. Agora sim, agora sim! Sou o céu. E abraço toda a insignificância da minha existência nessa terra. Quero redenção, mas mais do que isso, quero não querer nada: quero apaziguar minha existência levando ela ao limite do que eu posso suportar, e o céu é esse limite.
(...me abraço com os braços frouxos)

domingo, 13 de dezembro de 2009

abandono de si

sinto que existem algumas necessidades inerentes a todos ser humano, entre elas estão a necessidade de se comunicar, de ficar só e de se perder. nenhum homem precisa encontrar-se, assim como nenhum homem precisa de um motivo para viver. as ilusões de que se pode alcançar algo infindável ou que se pode vencer a morte não trazem nenhuma satisfação. aliás, satisfação não é uma necessidade também, uma vez que ela é apenas mais uma utopia, pois difere drasticamente do que nos constitui enquanto humanos. dentro do humano só há caos, uma ebulição de sentimentos e impulsos sem explicação. o que acabamos fazendo é tentar ordenar esse caos, e isso nos leva, inevitavelmente, a uma vida asséptica. anestesiados, deixamos de viver a única experiência tipicamente humana. viver essa ebulição implica, sim, em se perder. e se pensar enquanto alguém que está perdido talvez seja o início da nossa libertação: fundidos no que somos, podemos, enfim, deixar de ser. perder nossas identidades talvez seja o único modo de comunicar, sem pretenção alguma, a única experiência humana por excelência: a ausência de sentido.

sábado, 5 de dezembro de 2009

descostura?

posso sentir os fios passarem pela minha pele, devagar. penso que as costuras devem doer, os tais pontos, mas a descostura também dói, queimando a carne no deslizar dos cordões. sempre me senti desfiada, num rasgar constante, e por isso me penso em descostura: desabotôo os pulsos, esvazio as cavidades venosas de sangue, as espirituais de poesia. tudo se esvai na falta de um bom fio para conduzir os tecidos, articular as partes. e me vejo, então, como um tecido frágil, de difícil adesão e fácil dissolução: me desfaço em agulhas diversas; as muito suaves não me unem as partes. as mais rudes me esburacam as estampas, forçando um abandono no abraço entre minhas fibras. sou assim, difícil de costurar. de prender, de ter um sentido atribuído aos meus fragmentos e laços. sempre andei desarticulada, meio capenga, meio torta das costuras mal feitas das mãos da vida. coleciono todas as feridas de todos os bordados marcados que, em dado momento, tive que desfazer; mas também coleciono feridas dos bordados que nunca se concretizaram por falta de mão. tudo, tudo marca um tecido delicado, até a aspereza das mãos, a intensidade dos toques, os suspiros que se pregam enviezados no forro. tudo marca, mas nada prende. alguns alfinetes, talvez, em alguns momentos da vida, tenham dado uma forma ao que se arrasta por entre corpos. talvez os corpos mesmo tenham tentado me enformar, e por alguns segundos eu tenha aderido. mas sempre caí. sou esse tecido molenga, de todas as formas - e de nenhuma. devido a essa circunstância, decidi me dedicar à árdua tarefa de sempre me descosturar - quando longe das mãos bordandes. tal qual uma penélope na esperança de seu ulisses, sempre estive assim, em constante desbordar. e assim fui até que um dia, em um sonho, tu me apareceu sem alfinetes, sem certezas... e com botões. hoje já não sei como me pensar sem tua costura. hoje não me vejo mais sem nossas cordas.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

meu relógio parou, desistiu para sempre de ser antimagnético

"Vou lhe explicar duas coisas. O tempo é curto. Essa é a primeira. Para a topeira, o tempo é traiçoeiro. Para o herói, o tempo é heróico. Para a prostituta, o tempo é apenas outra peça de roupa. Se você for gentil, seu tempo será gentil. Se estiver com pressa, o tempo voa. O tempo é seu servo se você for o seu mestre. O tempo é seu deus se você for o seu cão. Nós somos os criadores do tempo, as vítimas do tempo e os assassinos do tempo. O tempo é valioso, essa é a segunda coisa. Você é o relógio."

Tão longe, tão perto
Wim Wenders

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

eu te profano.

quando ouvi, na cama úmida, sobre a tua confusão, fiquei um pouco menos temerosa. não quero as tuas certezas prévias, quero a nossa descoberta conjunta do mundo: se estamos cegos ou finalmente lúcidos, se esse sentimento ilumina o caminho ou ofusca a visão, isso tudo só poderemos saber caminhando em direção a ele. eu vivo na beira do abismo, mas ainda assim sinto medo da queda. será mesmo que fui eu quem te jogou nesse vão sem fim? é uma queda linda, eu sei. é como alice caindo infinitamente na toca do coelho, descobrindo coisas fantásticas à medida que cai, tendo pela primeira vez uma prova do que seria o mundo para o qual se encaminhava. mas eu não quero um mundo de alice para gente; nem um mundo de oz. o que eu quero é outra coisa, uma coisa tecida daquele fio imaginário que um dia derramava da lua sobre o "mar", lembra? aquele visco, aquela coisa luminosa. quero aquilo. quero um mundo de todos os nossos viscos, aliás. nossas colas para colar idéias pelo mundo, colar nossos gestos pelas esquinas, colar nossos gemidos nos campos de margaridas.

somos arqueólogos da nossa própria existência, precisamos viver pelo que acreditamos. somos em carne viva demais para nos conformarmos com pouco, somos exigentes. eu sou muito exigente, muito trágica, muito explosiva. eu sou todas as coisas que sempre me fizeram inapta nessa vida. e ao ver isso tudo, ao sentir toda essa dor, esse pulso, esse potencial para a loucura, tu me escolheu. onde todo mundo desespera, tu me sonha. queremos o nosso caos, somos máquinas-desejantes em busca do que somos. se é que somos. ou do que seremos (se é que seremos). todas as nossas passagens pela angustia são as mais lindas passagens de descobrimento, como um pequeno livro de salmos escritos com sangue do mais alto sacrifício. é isso. nós estamos vivenciando o ritual do maior sacrifício da existência: estamos sacrificando a nós mesmos para, finalmente, nos encontrar. purificando a terra, profanando a mediocridade, amando, amando, amando... pela primeira vez com as vísceras expostas.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Roxas

Tu me encosta a mão e eu tremo. Fazia tempo que não sabia o que era trepar. Tantas vezes em uma só noite. e eu treparia muito mais se tu conseguisse. ou quisesse, sei lá. As incertezas fazem parte dos nossos silêncios respirados. Tem dias que acordo ao teu lado e não sei nem como te olhar. Parece que toda a intimidade da noite louca em que nos conhecemos foi embora junto com a fumaça do último cigarro. Penso se isso tudo existiu um dia. Nesses momentos, penso se eu te quero de verdade ou se não passamos de uma série de bons acasos. Teria procura se fosse diferente, se não fosse tão fácil? A gente teria paciência, teria vontade de passar as tardes de mãos dadas em alguma praça discutindo filmes antigos, sem cigarros ou cervejas?

Não sei. Só sei que passo meus dias pensando quando vou trepar contigo de novo. Se é que vou. E se dessa vez eu vou me sentir satisfeita, para poder juntar minhas coisas, virar as costas e bater a porta, tudo o que eu nunca consigo fazer. Preciso te ver mais uma vez para juntar as peças de roupa que se perderam pelo teu quarto (suspeito que nossas meias andem transando embaixo da tua cama). Preciso fumar o último cigarro que deixamos em cima da tua mesa, bem devagar. Preciso juntar do teu pátio a barraca que contém os nossos poucos planos futuros, preciso levar embora as listas de filmes e de livros que deixei pela casa. Vou levar embora minhas palavras, meus cheiros, meu corpo. Será que assim eu desapareço para sempre?

Mas as marcas roxas dos teus dedos na minha coxa... Essas ficam. Minhas marcas em ti, as tuas em mim. Para testemunhar a força dilacerante do acaso, a descoberta do êxtase, a angústia do corpo convulso, a poesia que nunca foi dita. De resto, passo a não existir. O que fica é apenas uma escova de dentes vermelha em um banheiro mal cuidado. Celebrando, todos os dias, a potência irreal da união dos nossos corpos.

eu sei, me perdi... mas ei, só me acho em ti.

me perdi entre esses teus dentes desconhecidos, dentes que nem sei se machucam ou acariciam meu corpo. me perdi do caminho das verdades, do caminho dos pecados, do caminho do meio. hoje já nem sei o que ainda sou ou se algo faz sentido. teus dedos na minha orelha sussurram que eu que estou louca. eles me dizem que perdi. meus dedos, meus medos, meus ais e meus porquês. vazia de todas as possibilidades, vago por entre lençóis amarrotados sem saber onde pousar todos aqueles sentimentos. tenho medo de parar, de ter que abrir os olhos e não me enxergar nesse espelho que me ofereces. pior: tenho medo de me ver toda ali, nas tuas mãos, e não saber mais como se corre. desaprendi minhas pernas, meus passos; ganhei tua dança. às vezes penso que chega de correr pelos corredores no escuro. mas aí me dou conta que essa história é isso, é uma corrida no escuro. a nossa corrida, com as pernas misturadas, em direção a nós mesmos.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

- neste instante, eu poderia ficar pra sempre contigo.

mas eu não poderia ficar pra sempre contigo neste mesmo instante.



adeus.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Ex-colha

"socorro, alguma rua que me dê sentido... em qualquer cruzamento, acostamendo, encruzilhada..." arnaldantunes.

Para todo caminho de ida, existe um caminho de volta. E para toda reta que se segue, existe uma transvesal, com um horizonte tão insuspeito e insabível quanto este para onde escolhemos olhar. Essa escolha nem sempre cola com o que queremos, embora sempre colha. Colhemos, nesse caminho, a poeira a partir da qual vamos nos constituir nessa cerâmica que é a vida, nessa construção que nem a morte finda, uma vez que tudo repercute. Somos a poeira que colhemos para nos constituir e somos a poeira que deixamos no caminho para que os outros se constituam. Para que a roda gire, para que não pare, para quê. Nesse caminho a escolha é, muitas vezes, uma ex-colha: é a colheita do que está fora da nós, buscando uma integração entre o exterior e o ato gerador (da colheita), a semente germinativa, que todos carregamos. Nada sabemos, de certeza, sobre a origem da vida; e não creio que chegar a esse conhecimento preciso seja realmente importante ou relevante para a história e futuro da humanidade: acredito que o relevante, de fato, é a tomada da vida enquanto milagre. É um milagre, de fato. Seja religioso, biológico, químico, evolutivo, alienígena... não importa. Acredito que seja muito mais importante conhecer as lendas indígenas da Sepente Emplumada, testemunha de o que é criar, do que ter a certeza de qual elemento químico se juntou, por acaso (sempre o acaso!) com que outro em que determinada temperatura, e que acabou desembocando em toda a diversidade que presenciamos mundo a fora. Não nego a importância das ciências químicas e biológicas, quem sabe a curiosidade não é a única característica genuinamente humana? O que trago aqui é que, relevante mesmo, em termos "adaptativos" e "evolutivos", é a celebração da vida, em toda sua diversidade.

Escolher a vida. Essa escolha que passa por esse caminho longo aí na frente, caminho para o qual olhamos agora vislumbrando o horizonte. E que, se olharmos para o lado, também pode ser contemplada, porque a vida é reta e transversal, líquida e poeira, é a única coisa que faz sentido (mesmo não fazendo). e é a única coisa que devemos escolher e cultivar, uma vez que é a única coisa que se pode colher. E como todo fruto, ela tem finitude, e pode ser encontrada nos mais diferentes formatos e sabores (até mesmo lá onde se pensou impossível).

Redireciono meu caminho. Meio tímida, mas muito certa de que a vida não passa de uma valsa que nos convida a dançar. E que não insiste, jamais. Depende de nós, então, ficarmos sentados à margem da festa, esperando a hora de dormir, ou nos juntarmos a ela nesse baile febril, criando movimentos-potência, espalhando a alegria, até que a música acabe.

terça-feira, 24 de março de 2009

Arnaldo Antunes, livro AS COISAS.

"neto e neta são netos, no masculino. filho e filha são filhos, no masculino. pai e mãe são pais, no masculino. avô e avó são avós."