terça-feira, 18 de maio de 2010

(uma carta) Para que você fique um pouco mais.

Aprecio muito a tua persistência em mim. Carrego essa gratidão dentro de todo pensamento que te tenho, em cada ponta de dedo que te toco. Porque eu sei que não é fácil. Não sou fácil de levar. Eu peso. E embora tu acredites que eu não tenha consciência ou dimensão disso, eu atiro as cartas no chão e bato na mesa: eu tenho. Sei da dificuldade em apostar diariamente em mim. Pois mesmo eu sendo digna de altas apostas - digníssima - eu sei que coloco tudo a perder com apenas um olhar. No fim, minhas qualidades superam as mazelas. Mas enquanto eu e tu estamos no mesmo jogo, amor, a vida é essa gangorra maluca. E o problema de tudo isso é que um dia cansa. Desgasta. Andar de gangorra não é para todos. E talvez eu simplesmente ame gangorras...

Confesso: hoje já nem sei se eu vivo assim por sentir as coisas demais, à flor da pele, ou por mero capricho. E tu que sempre me chamou de mimada... É que no nosso caso, ou no meu caso, eu vivo entre o Amor e o Amar. Entre ficar imersa na "coisa em si" e desempenhar uma ação sobre a tua pessoa. Como se para mim as coisas se alternassem, e não devidamente se incorporassem; eu vivo o Amar na saudade dos nossos corpos, e o Amor no enlace deles. E no intervalo desses dois momentos algo me escapa. Veja bem, querido, não falo da falta de Amor ou da falta de Amar. Falo dos lapsos, dos desencontros, aqueles em que falho contigo, e nos quais minha dimensão insuportável surge, devoradora. Talvez seja mesmo medo que teu lobo me devore, e eu passe a morar na tua barriga, para todo o sempre...

Amado, era apenas isso que eu queria te dizer, ou explicar, ou pedir: que tu fiques. Que aposte no nosso País das Maravilhas. Que suporte minhas trevas um pouco mais, quem sabe algumas décadas mais. Porque eu admiro tua coragem. E te carrego comigo como o primeiro herói que, frente ao meu monstro, não bateu em retirada. E que me enfrentando, assim de frente, assim com tanta paciência, tanto cuidado, talvez descubra que eu sou mais um moinho de idéias desconexas do que propriamente um gigante quixotesco.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

o despertar I

foi como um susto. acordei e olhei para os lados sem mexer a cabeça, e muito devagar reconheci algo familiar nas paredes azuis com tom amarelo ouro do por-do-sol. engasguei com a falta de ar, parecia a primeira vez que eu respirava. era um recém-nascido, experimentando pela primeira vez as novas velhas sensações, essas que todo mundo conhece, e que, ao mesmo tempo, são tão singulares. o medo, se é que podemos chamar assim - talvez o melhor termo seja surpresa - contraiu meus vasos sangüíneos tão rapidamente que nem houve tempo para que o fluxo de sangue diminuísse um pouco. o coração bombeou com a mesma força, e eu realmente acredito que senti dor quando o sangue deu a primeira volta por todo o meu pequeno corpo - senti um dilúvio se forçar com urgência por uma passagem estreita de pedras, resultando em um fluxo tão violento que chegou a ferir essas pedras. dessa experiência me restaram cicatrizes por dentro das veias. (lado oposto do que se esperava em outros momentos).

respirei. o ar deu algumas voltas engraçadas pelo interior ciliado das minhas narinas. nunca antes havia reparado que o ar tinha seus próprios movimentos. assim como eu tenho os meus. eu estava viva, então. consciente, quente. o tempo lá fora parecia ceder forças e características para a minha existência - quente, desperto, luminoso. pensei então que os raios de sol poderiam funcionar como o fio das moiras, algo que nos dá vida, destino - e morte. esse foi o primeiro pensamento do meu novo dia desperta. talvez o primeiro pensamento do resto da minha vida.

com muito esforço balancei meu pé esquerdo. a luz avermelhada que entrava pela janela me dizia que agora não teria mais volta. eu havia, finalmente, acordado. e a partir de agora, os sonhos viscosos desapareceriam como nuvens. e as nuvens de verdade se concretizariam aos poucos, de acordo com a minha lucidez. somos agora só eu e o céu que me abraça, com toda sua proteção e desolação - algo do fantástico mundo da realidade deixou de ser poeira em mim.