domingo, 10 de abril de 2011

Onde a cabeça pesa

Sem saber meu destino, deitei a cabeça frente à lâmina. Com dois lados de corte e um reflexo de sol cru, ela me sussurra macia o mundo à sua volta: dois meninos que brincam com as minhas vísceras, três ou quatro poças de sangue coagulado marrom e muitos olhos que se deitam no espetáculo da morte. Quem dera os olhos me olhassem a mim - assim eu me saberia, mas os olhos refletidos são apenas o prenúncio de um êxtase transcendental, uma espécie de visco que escorre da liquidez da massa branco-amarelada das janelas duplas e gruda, sem deslize ou tato, no ingênuo fio de corte. O instrumento foi feito para facilitar a vida do homem, me confessa um dos meninos. Alienando-me da minha sorte, ou conformada com o mundo desses homens de mais conquistas do que veias, me entrego ao teatro da morte. Último desejo? Que minha cabeça ao menos sirva ao gozo incompreendido desses pobres coitados.

Nenhum comentário: