sexta-feira, 25 de março de 2011

Invocação para um dia líquido

O despir-se envolve movimentos delicados vividos de um modo intenso. Normalmente, precisaria da ajuda de um próximo para sair de sua justa cápsula de couro, mas havia medo, havia cheiro, havia expectativa. A ânsia contorcia as extremidades contidas no invólucro - latejavam pela expectativa do prazer. Através de pequenas frestas, sentia o cheiro inconfundível, o cheiro aquoso do que o esperava do lado de fora. O cheiro era beijado de flores e capim limão, mas era ocre de um modo tão doce, que a sensação era quase de abandono. Cheiro, hipnose, desejo. Pulsava tanto que mal reunia forças para o desejado encontro, para o encontro definitivo. Ali pelo terceiro arrepio, decidiu que sua única chance era no agora - a vida deveria ser consumada no instante do pulso para merecer honra, mas sei lá o que queria com honra, honra não fala de desejo. Sair do invólucro com um certo desespero atrapalhado, ânsia dos amantes, criou no ar movimentos de uma sensualidade descabida, tão absurda e ao mesmo tempo tão irresistível como a luz dos abajures nas noites jasmim de verão. Extasiado pelo odor, agora tão próximo, tão real, tão apavorante e sedutor quanto um abismo, guardou o último instante anterior à entrega como a suspensão de um vôo sem asas, o pairar antes da queda delirante. Delírio, porque não havia palavra mais justa que pudesse descrever esse momento, delírio, pois já não se sabia em si, não sabia mais para onde estava se direcionando ou porque havia se despido, era apenas um momento de entrega tão absoluta que o seu ser estava anulado, sua alma suspensa, e se não fosse a simples inércia do corpo já em movimento, talvez tudo isso estivesse perdido. Quando enfim se rendeu ao toque, o macio do ato mordeu o desabar do desejo. Grudados, o pé e a terra transaram até a chuva passar.

2 comentários:

Nina disse...

putaquepariu, muito bom! amei.

(e o blog ficou lindinho assim)

Rodrigo Isoppo disse...

delírio.

me arrepiei. tua poesia me fazia falta. =)